Antonio Carlos Jobim: Miucha & Antonio Carlos Jobim (2001)

Miucha & Tom Jobim Vol.1

Reedição produzida por Arnaldo DeSouteiro

Logo após a primeira gravação que fizeram juntos (Bôto, faixa de abertura do LP “Urubu”, de Jobim, produzido por Claus Ogerman em New York em outubro de 1975), Antonio Carlos Jobim e Miucha começaram a acalentar a idéia de um disco em dupla. Projeto materializado somente dois anos mais tarde, quando Jobim reencontrou seu velho amigo Aloysio de Oliveira, a quem convidou para produzir o álbum. Este imediatamente tratou de “vender” a proposta para Durval Ferreira, então diretor artístico da RCA, que mandou preparar o contrato.

Como “gancho” para alavancar as possibilidades comerciais, foi sugerida a participação especial de Chico Buarque, irmão de Miucha, amigão e parceiro de Jobim desde “Sabiá”. Além de contribuir como autor de “Olhos nos Olhos” (consagrada por Maria Bethânia depois de lançada pelo próprio Chico, em 76, no LP “Meus Caros Amigos”), “Maninha” (dedicada à Miucha) e “Vai Levando” (primeira parceria de Chico & Caetano Veloso criada para o antológico show de Chico & Bethânia no Cancão em 75), ele marcou presença como cantor nestas duas últimas canções e no ágil tratamento dispensado a “Sei Lá...A Vida Tem Sempre Razão”, sambinha despretensioso de Toquinho & Vinicius de Moraes.

Ao invés do piano elétrico Fender Rhodes, que adorava usar nos discos para o exterior, Jobim preferiu concentrar-se no piano acústico. E nada de grandes formações orquestrais, com cordas e metais, tão genialmente utilizadas por Ogerman ou Deodato nos sublimes “Tide”, “Stone Flower”, “Matita Perê” e “Urubu”. Desta vez, apenas um pequeno grupo de base, com eventuais econômicas intervenções de um naipe de flautas (Franklin, Danilo Caymmi, Paulo Jobim) e do cello de Peter Dauelsberg. Tudo em nome de um clima de “brasilidade”, aconselhado por Aloysio para evitar o ridículo patrulhamento estético do qual Jobim, volta e meia acusado de “americanizado”, ainda era vítima naquela época.

Completando o time, um salutar revezamento entre os baixos de Edson Lobo, Novelli & Luiz Alves, as baterias de Rubinho, Wilson das Neves & Robertinho Silva, além do saudoso Ariovaldo Contensini na percussão. Complementando o repertório, uma impecável seleção de jóias de Ary Barroso & Luiz Peixoto (“Na Batucada da Vida”), José Menezes & Luiz Bittencourt (“Comigo É Assim”) e Eduardo Souto Netto & Geraldinho Carneiro (“Choro de Nada”). E ainda um atual “cult-hit” na cena européia de acid-jazz, “Tiro Cruzado”, de um subestimado gênio da MPB, Nelson Angelo, com letra de Marcio Borges.

Sem falar da pungente faixa de encerramento, “É Preciso Dizer Adeus”, uma das menos conhecidas parcerias de Jobim & Vinicius de Moraes (composta em 1958!), mas uma de suas músicas favoritas. “Gosto tanto deste tema que eu não posso ficar gravando com qualquer um, de qualquer jeito, devo guarda-lo para ocasiões especiais”, dizia Tom. A primeira dessas ocasiões foi no LP de estréia-solo de Astrud Gilberto em 65. E, depois do encontro com Miucha em 77, em apenas mais três memoráveis sessões: com Edu Lobo no “Edu & Tom” em 81, com Gal Costa no “Songbook de Vinicius de Moraes”, organizado por Almir Chediak em 93, e ao lado de Ithamara Koorax no “Rio Vermelho”, em outubro de 94, infelizmente a última gravação de Jobim.

Para promover o álbum, Miucha & Tom encararam uma longa temporada de sucesso no Canecão, dividindo o palco com Toquinho & Vinícius durante quase um ano em cartaz. Voltaram a fazer dupla em um segundo disco lançado pela RCA, captado em sua maior parte em New York, em 79, novamente sob a produção de Aloysio. Com desempenhos fantásticos de Ron Carter, Rubens Bassini e Oscar Castro Neves. Delícias que você irá saborear, em CD, num futuro muito próximo.

Arnaldo DeSouteiro
Londres, 3 de agosto de 2001
(Produtor musical, historiador de jazz & MPB, jornalista, e educador – Membro Catedrático da Academia Internacional de Música e da IAJE – International Association of Jazz Educators)