Sergio Mendes: Sergio Mendes & The New Brasil '77 (2002) |
“Sergio Mendes And The New Brasil ’77” Após o divertimento no álbum “Home Cooking”, quando permitiu-se esquecer temporariamente das pressões do mercado, realizando um trabalho mais criativo do que de costume, Sergio Mendes voltou a buscar um pop-hit ao conceber “Sergio Mendes And The New Brasil ‘77”, gravado entre janeiro e fevereiro de 1977 nos estúdios Kendun, em Burbank, Califórnia. Passou mais de seis meses pesquisando repertório, fez inúmeras auditions para formar um novo conjunto, e planejou cair na estrada divulgando o novo trabalho. Tudo visando um grande estouro. Para tanto, o “New Brasil ‘77” teve a parte rítmica bastante reforçada, com Sergio decidindo usar dois bateristas (Ronald Ballard e David Hall no lugar de Claudio Slon) e nada menos que quatro percussionistas liderados pelo excelente Chacal, importado para os EUA para substituir Paulinho da Costa, que meses antes havia gravado seu álbum de estréia-solo, “Agora”, produzido por Slon para o selo Pablo, de Norman Granz. (E sem a esperada participação de Sergio, diga-se de passagem...) Somando cuicas, agogôs e ganzás ao sólido desempenho de Chacal, centrado nas congas, estavam os simpáticos Testa, Bibiu e Dico. No palco, animavam muito os shows com coreografias inspiradas nas evoluções dos ritmistas das escolas de samba, atraindo a atenção da platéia. As cantoras Bonnie Bowden Amaro e Lise Miller deixaram o grupo, trocadas por Carol Rogers, Marietta Watters e Cruz Baca. Até então amigo inseparável do chefe, Oscar Castro-Neves continuou firme no violão, além de atuar como assistente de produção do disco. Curiosamente, dois antigos integrantes foram escalados para dar uma canja: Laudir Soares de Oliveira (de fundamental importância para o êxito artístico do LP “Primal Roots/Raízes” em 72) e o saudoso baixista Tião Neto, remanejado para a percussão. Nada de esquema retranqueiro, todo mundo jogando no ataque, porque Sergio apostava todas as suas fichas no projeto. Ainda assim, o band-leader não parecia acreditar muito na força daquele escrete, e tratou de procurar reforços na hora de colocar os jogadores em campo. Incentivado pelo assistente técnico Oscar, preferiu gravar grande parte do disco com músicos de maior experiência em estúdio, certamente na esperança de que essa tática ajudaria a formatar uma sonoridade mais afeita às padronagens sonoras das rádios. Convocou os baixistas Anthony Jackson, Nathan Watts e Michael McKinney, o super-batera Steve Gadd, o guitarrista Michael Sembello, uma seção de sopros liderada pelo saxofonista Hank Redd, e diversos tecladistas. Entre eles, claro, o eterno conselheiro Dave Grusin. No final do jogo, até Oscar assumiu o piano elétrico Fender Rhodes, fazendo overdubs em duas faixas. Porém, o principal astro do time – Stevie Wonder - não apareceu nas fotos, embora Sergio tenha contado até mesmo com o Rei Pelé, posando de médico na contracapa e no encarte. Apesar das restrições de uso de imagem impostas por sua gravadora, a Motown, Stevie Wonder aceitou mui prazeirosamente a função de arma-secreta escalada para alavancar o potencial comercial do projeto. Mas que ninguém acuse Sergio de oportunismo nesse caso; afinal, ele e Stevie já se curtiam há tempos, mais precisamente desde o LP “Vintage 74”, que trazia três hits de SW (“Don’t You Worry ‘Bout A Thing”, “Superstition”, “If You Really Love Me”) devidamente adaptados para o padrão SM. Wonder adorou o tratamento conferido às suas canções, confessou-se fã de Sergio desde a época do Brasil 66, e ainda apaixonou-se pela canção “Você Abusou”, incluida no “Vintage 74”. Tanto que, mais de vinte anos depois, quando Stevie apresentou-se no Rio, no antigo Metropolitan, o sambinha de Antonio Carlos & Jocafi foi o único tema brasileiro presente no seu repertório, para desespero dos eternos patrulheiros de plantão. Em 75, ao gravar seu primeiro disco na Elektra, batizado tão somente “Sergio Mendes”, nosso estrategista voltou a reverenciar Wonder, gravando “All In Love Is Fair”. Quando chegou a vez de Stevie retribuir tantas gentilezas, não se fez de rogado. Além de escrever duas músicas especialmente para o álbum “Sergio Mendes And The New Brasil ‘77”, ainda tocou piano e aquele datado clavinet fabricado pela Hohner (tão em moda na época da fusion e da disco-music) em várias faixas. As duas saborosas canções de Wonder receberam execução maciça nas rádios, com “The Real Thing” escolhida para ser o primeiro compacto (com “Peninsula” no lado B do single de 45rpm), enquanto “Love City” popularizava-se como jingle de uma companhia aérea em comerciais na TV americana. Faixa de abertura do disco, “Love Me Tomorrow” – composta, um ano antes, por David Paich, para o LP “Silk Degrees”, do cantor Boz Scaggs – também tocou à beça. Aliás, para quem não se lembra, David, filho do famoso maestro Marty Paich, firmou-se como um dos principais artífices do pop-rock dos anos 70, consagrando-se definitivamente ao fundar o grupo Toto em 78. Outro ícone daquele período, o conjunto Chicago, também foi adotado por Sergio, através do mega-sucesso “If You Leave Me Now”, vencedor do Grammy em 76. Laudir de Oliveira, que já tinha tocado no registro original no álbum “Chicago X”, regravou o tema com Sergio. Ganhando double-scale, vale frisar. Sem querer desperdiçar nenhuma chance de gol, Mendes encomendou temas a um frequente colaborador do bluesman John Lee Hooker, o tecladista Clifford Coulter (a sincopada “Life”, com o autor pilotando um sintetizador MiniMoog), Michael Sembello (a semi-disco “Why”, parceria com Don Freeman, ouvido ao piano) e Hank Redd (“P-Ka-Boo”), o saxofonista predileto de Stevie Wonder – haja visto suas atuações memoráveis em “Songs in the Key of Life”, “The Secret Life of Plants” e “Hotter Than July”. O próprio Sergio caneteou o afro-funk “Mozambique”, à base de wordless vocals, e a única faixa instrumental, “Peninsula”, em parceria com Castro-Neves, marcada pelos rufos marciais e viradas inconfundíveis de Steve Gadd. Outro fãzoco de SM, Gadd viajou para a Califórnia logo após completar o álbum “Towering Toccata”, de Lalo Schifrin. E assim que concluiu a gravação com o ídolo brasileiro, voltou no dia seguinte a New York para gravar outro LP para a CTI, “Crawl Space”, de Art Farmer. Este relançamento em CD prova que tantos esforços não foram em vão. Hora de saborea-lo, pois. Arnaldo DeSouteiro |