Sergio Mendes: Brasil '88 (2002) |
“Sergio Mendes & Brasil 88” Além dos dons artísticos, Sergio Mendes sempre demonstrou especial talento para lidar com os poderosos chefões da indústria fonográfica. Logo no início dos anos 60, teve a entrada no mercado norte-americano apadrinhada por Nesuhi Ertegun, um dos fundadores da Atlantic, que lançou seus primeiros discos nos Estados Unidos – preciosidades como “Beat of Brazil” (título americano do antológico álbum do Bossa Rio, em 64), “Bossa Nova York” (rebatizado “The Swinger from Rio”), “Sergio Mendes & Brasil ’65 In Person at El Matador” e o orquestral “The great arrival”, emoldurado em Hollywood por arranjos de Clare Fischer, Dick Hazard e Bob Florence. Depois, a musicalidade do niteroiense cativou Herb Alpert, então no auge do sucesso comandando a Tijuana Brass, e consolidando a força de sua A&M Records, em sociedade com Jerry Moss. Apostando firme na carreira do brasileiro, emprestou seu nome ao título do LP “Herb Alpert Presents Sergio Mendes & Brasil ‘66”, a estréia do nova formação (piano, baixo, bateria, percussão, duas belas cantoras – americanas, claro...) que consagraria nosso herói definitivamente, através do mega-hit “Mas Que Nada”. Mais tarde, demonstrando habilidade diplomática cada vez maior, Sergio selou forte amizade com Bob Krasnow, um dos fundadores (ao lado de Tommy LiPuma) do selo Blue Thumb, pelo qual o artista lançava os discos do Bossa Rio, enquanto o Brasil ’77 continuava a gravar na A&M. O apoio de Krasnow foi fundamental para sua associação com a Elektra Records a partir de 75, quando Mendes atravessava um período de baixa popularidade. Dispensado pela A&M após sete anos de bons serviços prestados, ele inicialmente aceitou a proposta de uma pequena companhia com sede em Londres, a Bell Records, por onde lançou “Love Music” (73) e “Vintage 74” (este com a participação especial de Tom Jobim), ambos editados no Brasil pela antiga Phonogram. Porém, descontente com o limitado alcance de distribuição da Bell nos EUA, o que impossibilitava uma recuperação dos seus índices de vendagem, procurou abrigo na Elektra, da qual Krasnow era “chairman”. E encontrou. Mais do que isso: foi recebido de braços (e cofres) abertos. Todos os setores da companhia não pouparam esforços (leia-se grana) para reerguer a popularidade de Mr. Mendes. Haja visto o generoso orçamento liberado para este “Sergio Mendes & Brasil 88”, apesar do moderado rendimento comercial dos discos anteriores na Elektra (“Sergio Mendes”, “Home Cooking” e “Sergio Mendes And The New Brasil ‘77”).Esteticamente indefinido, o álbum mirava em diversas direções. Do latin-pop de “That’s Enough For Me” e “Midnight Lovers” à disco-music de “One More Lie”, passando pela MPB progressiva de “Misturda” e “Tiro Cruzado”. Incorporava, ainda, baladas de apelo radiofônico imediato (“Harley”, “Life Goes On”), sem esquecer de apostar nas recriações de “Travessia” e “Águas de Março”. Superprodução que consumiu quase 200 mil dólares de verba durante três meses de gravação (iniciando-se em 5 de dezembro de 77 e terminando em 17 de fevereiro de 78), envolvendo cerca de 60 músicos, traz Richard “Dick” Hazard como produtor associado. Colaborador de Sergio desde o tempo de “The New Arrival” em 66, Hazard – cujo currículo inclui arranjos para Andy Williams, Mel Tormé, Peggy Lee, Bobby Short, Liza Minelli e mais recentemente Sarah Brightman - assina também a maioria das orquestrações em “Brasil 88”. Outro amigo fiel, Dave Grusin, presente em vários discos de Sergio – inclusive no excelente “Fool On The Hill”, cujo single da faixa-título chegou ao nº 3 na parada pop americana – contribui com arranjos para duas faixas. Assim, Hazard & Grusin reeditaram a junção de talentos anteriormente documentada no álbum “Look Around”, de 1967, no qual se revezaram nas orquestrações. O timaço recrutado por Sergio mescla os integrantes do “Brasil 88” (Oscar Castro-Neves no violão, Nathan “Lamar” Watts no baixo elétrico, Raymond Pounds na bateria, Laudir de Oliveira na percussão, mais as cantoras Marietta Waters & Carol Rogers) com vários convidados. Entre eles, o baterista peruano Alejandro “Alex” Acuña (recém-egresso do Weather Report), os percussionistas Kenneth Nash (da big-band de Woody Herman) & Emil Richards (veterano “session player” atuante com Frank Sinatra, Nat King Cole, Charles Mingus, Stan Kenton, George Harrison e Frank Zappa, além de produtor do lendário “A Bad Donato”), somados a vários jazzmen enfileirados no naipe de sopros: Bud Shank, Frank Rosolino, Jerome Richardson, Don Menza, Ernie Watts, Ted Nash e Chuck Findley. Sem contar a infalível seção de cordas, recrutada entre os membros da Sinfônica de Los Angeles. Sergio fisgou ainda duas figuras geniais que estavam em Los Angeles para participar do álbum “Journey To Dawn”, de Milton Nascimento: o mineiro Nelson Angelo, figura fundamental (e absurdamente menosprezada) na turma do chamado Clube da Esquina, e o pernambucano Naná Vasconcellos. Nelson ataca de violão & viola em uma de suas mais famosas composições, “Tiro Cruzado”, parceria com Marcio Borges presente no cultuado LP “Nelson Angelo e Joyce”, gravado para a Odeon em 1972, nunca relançado oficialmente, mas disponível em edições piratas na Europa. E Naná participa, curiosamente, da recriação de um tema de outro grande percussionista, Airto Moreira: “Misturada”. Com seus típicos efeitos vocais que imitam uma cuíca, acrescenta novo molho ao marcante 7/4 lançado no célebre álbum gravado pelo Quarteto Novo em 1967. A porção brasileira se completa com as duas faixas que abrem o disco. Primeiro, a “Travessia” consagradora de Milton Nascimento no II Festival Internacional da Canção em 67, e no ano seguinte também responsável por lhe abrir as portas do mercado americano através do disco “Courage” (A&M/CTI). Claro que os brilhantes arranjos de Eumir Deodato para ambas as ocasiões batem longe a grandiloquente orquestração de Dick Hazard para “Travessia”, ou melhor, “Bridges”, entoada com a letra em inglês de Gene Lees, autor de curto texto para o encarte de “Brasil 88”. Lees fez versões para algumas músicas de Antonio Carlos Jobim gravadas por Frank Sinatra (“Estrada Branca/This Happy Madness” e “Corcovado/Quiet Nights of Quiet Stars”, por exemplo, ficaram ótimas), mas o próprio Tom preferiu cuidar de transformar “Águas de Março” em “Waters of March”, originalmente documentada em faixa extra incluida apenas na edição americana do disco “Matita Perê”, em 1973, lançado nos EUA sob o título “Jobim” (MCA), com arranjos de Claus Ogerman. Na gravação de Sergio, o arranjo é de Dave Grusin; pretexto para deixar claro que os competentes Hazard e Grusin jamais alcançaram o nível de Ogerman, Deodato, Schifrin, Legrand ou Sebesky, mestres supremos na arte da orquestração. O repertório prossegue com “That’s Enough For Me”, parceria de Patti Austin & Dave Grusin - aqui em orquestração de Hazard - que consegue superar a versão original de Patti, com arranjo de Grusin, realizada apenas quatro meses antes para o álbum “Havana Candy” (CTI). Em clima parecido, com saboroso molho latino, transcorre “Midnight Lovers”, tema do guitarrista Michael Sembello letrado por Ralph Dino. Irmão menos talentoso de Michael (frequente colaborador de Sergio nos anos 70), John Sembello assina “One More Lie”, que obedecia a fórmula vigente da disco-music, e “Harley”, balada sob medida para embalar corações românticos. Fechando a cortina, o papo-cabeça de Bernard Ighner em “Life Goes On”. Sergio gravaria um quinto disco para a Elektra, “Magic Lady” (79), antes de voltar à A&M em 1983 com o álbum batizado apenas “Sergio Mendes”, responsável por seu reencontro com o sucesso. A faixa “Never Gonna Let You Go” estourou no mundo inteiro, chegando ao quarto lugar na parada pop da Billboard – uma proeza que não acontecia desde “Fool on the Hill”. Surpreendentemente - para desespero dos incuráveis puristas invejosos que ainda hoje não se conformam com o êxito de Sergio no exterior - a música emplacou até no Brasil, usada como tema de amor da novela “Final Feliz”, da Rede Globo. Fez mais alguns projetos na A&M até, pasmem, retornar à Elektra em 1992, com o álbum “Brasileiro”, que lhe deu seu primeiro – e até agora único – Grammy. E logo na desprestigiada categoria de “world-music”, adotada também para classificar o confuso disco “Oceano”, lançado pela Verve em 96. Recentemente, excursionou pelo Japão liderando o “Brasil 2001”, por enquanto virgem em estúdio. Mas, a qualquer momento, o craque acerta outro golaço. Arnaldo DeSouteiro |